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TERRAS

EXPOSIÇÃO COLETIVA: Bia Monteiro + Nathalie Ventura + Sophia Pinheiro

Curadoria: Cláudio Oliveira

Abertura: 25/5/2024 às 14hs

 

Encerramento: 10/8/2024

 

Visitação: 25/5/2024 - 10/8/2024

Quarta à Sábado, 12-17h

 

Conversa “Encantamento nas artes” com

Denilson Baniwa, Gilson Plano e Sophia Pinheiro 26/5

às 11h

 

Provocações Poéticas com Livia Aguiar, Bia Monteiro

e convidades 11/07 às 19h

 

Conversa “Trabalho, lazer e feminismos”

com Bárbara Araújo Machado e Sophia Pinheiro 17/7 às 19h

 

Conversa artistas + Curador: 10/08 às 14h

 

Visitas Guiadas:

Bia Monteiro 8/6 +11/7 +7/8

Nathalie Ventura 7/8

 

Créditos

Arte Janelas: Gouvea Artes

Arte Gráfica: Nina Gaul

Equipe de produção Abapirá: Liliane T Oliveira + Jair

Nascimento

Montagem: Kabedim

texto curatorial

TERRAS

 

“Foi Omama que criou a terra”. Assim começa a narrativa que Davi Kopenawa nos oferece, em A queda do céu, sobre o começo de tudo. A terra é a primeira criação de Omama, o deus demiurgo dos Yanomami, que “criou também as árvores e as plantas, espalhando no solo, por toda parte, as sementes de seus frutos”. Depois, para impedir que o céu desabasse de novo sobre a terra, como tinha acontecido em tempos imemoriais, Omama “plantou nas suas profundezas imensas peças de metal, com as quais também fixou os pés do céu”. Nos tempos atuais, adverte-nos o xamã, ao extraírem esses metais, os homens ameaçam fazer o céu cair mais uma vez sobre nós.

 

Mais de dois mil anos antes de Davi Kopenawa narrar a história de Omama e da criação da terra a Bruce Albert, no alto do Rio Negro, em plena floresta amazônica, Hesíodo, um pastor de ovelhas que viveu na Grécia antiga, entre os século VIII e VII a.C., escreveu um poema épico que se tornaria a principal fonte de todos os mitos de origem ocidentais: a Teogonia. Nele, o poeta narra o que as musas, deusas filhas da memória, lhe contaram: de como após um caos primordial, veio a ser, antes de todas as outras coisas, “a terra (Gaia), de amplo seio, sede inabalável de todos os seres”; e, também, de como a terra pariu, igual a si mesma, o céu constelado, as altas montanhas e a infecunda planície impetuosa de ondas: o mar.

 

Em 1974, James E. Lovelock, um químico inglês que colaborou com programas da NASA para as explorações espaciais, levantou, juntamente com Lynn Margulis, uma bióloga da Universidade de Massachusetts, uma hipótese que eles chamaram, utilizando-se do mesmo termo grego de Hesíodo, de “hipótese Gaia”. Num artigo publicado naquele ano, eles afirmaram que o conjunto dos organismos viventes que constituem a biosfera pode agir como uma entidade singular, e chamaram de hipótese Gaia essa concepção da biosfera como um sistema ativo de controle e adaptação.

 

A biosfera, o conjunto de todos os ecossistemas da Terra, é o maior nível de organização ecológica que podemos pensar. Inclui o conjunto de todos os seres vivos que nele habitam e os compartimentos terrestres com os quais esse conjunto de seres interage (as rochas, o solo, as águas, o gelo e a neve permanentes, a atmosfera). Ao levantar a hipótese Gaia, Lovelock e Margulis voltaram a entender a terra, como Hesíodo, como uma entidade singular viva.

 

Para a geologia, a história dessa entidade singular é contada em eras e períodos geológicos de milhões de anos. Em geral, separamos as eras por fronteiras de extinção catastróficas. Há evidências de que impactos de meteoritos desempenharam um papel na demarcação das diferenças entre as eras. No momento em que vivemos, no entanto, não precisamos mais da chegada de um meteorito para demarcar uma nova era. O próprio ser humano cumpre essa função de evento catastrófico, como já está claro no alerta que nos faz Davi Kopenawa.

 

O termo Antropoceno, utilizado por alguns cientistas para descrever o período mais recente na história do nosso planeta, se justifica, assim, pelo alcance das consequências da ação dos seres humanos na evolução da Terra. Nessa perspectiva, é plausível apontar o seu início a partir do surgimento do Homo sapiens, mas alguns cientistas preferem datar o começo do Antropoceno com a revolução industrial.

 

Os trabalhos de Nathalie Ventura se inserem inequivocamente nesse espaço da biosfera alterada pela presença do humano. Esta jovem artista carioca propõe, com suas esculturas, instalações e desenhos, um outro olhar para os encontros entre o tecnológico e o natural, fazendo-nos refletir “sobre as marcas que as ações antropogênicas deixam na Terra”. Para esta exposição, ela traz trabalhos inéditos feitos com carvão, um material que chamou sua atenção por evocar “a memória da vegetação queimada pelo fogo”. Nas palavras da própria artista: “Se poderíamos pensar no atual colapso ecológico atrelado à derrubada da floresta pelo ímpeto humano, é verdade também que o carvão já existia aqui muito antes da nossa presença no planeta. Em seus desenhos intitulados Antes da calmaria, poderíamos imaginar as catástrofes do Antropoceno bem como tempos imemoriais onde a Terra desconhecia o que era a vida. Mas o carvão também evoca um momento significativo na nossa recente história, quando dois séculos atrás inventamos a máquina à vapor. Ao utilizar uma prensa de gravura para moer o carvão e marcá-lo no papel, crio um encontro entre ele e a máquina, onde esta se torna sua ferramenta. São encontros, afinal, que permeiam os meus trabalhos. As pedras camufladas entre os carvões, enquanto exaltam suas diferenças, buscam um pertencimento. Em Pertencer, busco ver as relações entre os seres, entre o ‘eu’ e o ‘outro’, olhando para nós mesmos e nossa existência”. Assim, em seus diversos usos do carvão, Nathalie reconvoca nosso olhar para esse material pouco nobre em nosso cotidiano que assume, no entanto, por sua intervenção artística, uma dimensão instável, na fronteira entre o desenho e a escultura. O carvão de Nathalie nos fala do passado, do presente e do futuro da terra.

 

“A terra guarda histórias”, afirma Sophia Pinheiro, artista goiana cujo trabalho conflui com seu ativismo político e pedagógico. Para esta exposição, ela nos apresenta uma série de desenhos feitos com barro, urucum e tintas naturais produzidas com pigmentos das terras das aldeias indígenas em que trabalhou ao longo dos últimos anos, num laço íntimo com as comunidades. Sophia se expõe, na série, ao imaginário da floresta e dos povos que a habitam e com os quais se relaciona na formação audiovisual, sobretudo com mulheres indígenas. O primeiro dos desenhos da séria se chama, não por acaso: “O coração da terra”. São histórias tão geológicas quanto mitológicas, na medida em que a terra que esses povos pisam é aqui a matéria dos trabalhos, mas também, como em Hesíodo, seu fundamento. Há neles um aprendizado a ser transmitido sobre esses humanos que, há milênios, habitam o nosso planeta de um modo diferente daquele, hoje, hegemônico. São povos que sofrem e que resistem, como a própria Terra, aos efeitos “antropocênicos” da civilização ocidental. Há, por outro lado, em seu trabalho, uma reconquista da sabedoria não apenas desses povos indígenas, mas também da cultura popular de sua região de nascimento e que se reflete na série “Vândalas Mascaradas”, pesquisa iniciada em 2013, a partir das máscaras típicas das Cavalhadas de Pirenópolis GO e os atos de junho de 2013. Esta grande investigação conta com desenhos, esculturas, filmes e atoinvenções. Para a exposição, Sophia apresenta uma obra inédita: “os orgasmos, assim como a terra, são de quem os trabalha”, feita em bastão seco e oleoso e aquarelas. Confluindo com as palavras de Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo, Sophia entende que as Vândalas “querem comer a terra, mamar na terra, dormir deitadas sobre a terra, envoltas na terra”.

 

A relação entre as mulheres e a terra é também o foco da série de foto-performances que Bia Monteiro realizou ao longo dos últimos anos com trabalhadoras rurais, algumas delas quilombolas, em diversos lugares do Brasil (Alto Paraíso-GO, Chapada Diamantina-BA e em Queluz-SP). Bia oferece a essas mulheres tecidos feitos de algodão orgânico, tingidos com pigmentos naturais de cúrcuma, erva-mate, café e pau-brasil, e pede que elas levantem esse tecido para o alto, propondo que vejamos o universo rural especificamente a partir dessa presença feminina. A série, a que ela deu o título de “Desterrar”, se inspirando em Sérgio Buarque de Holanda, ganha uma outra dimensão na presente exposição, pelo gesto da artista de trazer a terra e os tecidos das foto-performances para a terceira dimensão do espaço expositivo, chamando-os de Pedaços. Nessa nova configuração, a terra das fotos assume seu caráter escultural, como se saísse de sua invisibilidade, no chão em que nela pisamos, e se impusesse ao nosso olhar, nos encarando em sua verticalidade e volume. Os tecidos saem das mãos das mulheres e passam a flutuar. Cada uma dessas mulheres quer um pedaço de terra e a própria terra se torna, para elas, um tótem, assim como os tecidos, flutuantes ou em suas mãos, se tornam as suas bandeiras. O trabalho de Bia nos lembra, como disse certa vez em um evento Sônia Guajajara, a primeira Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, que “a terra é a mãe de todas as lutas”.

 

A terra, então, são terras, muitas terras. E as artistas mulheres desta exposição são, cada uma delas, a sua própria terra de reflexão e de criação. Elas nos pedem, a cada um de nós, com seus trabalhos, que paremos um momento para refletirmos sobre a terra e sobre as terras.

 

Cláudio Oliveira 

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