IMAGEAR
Exposição individual da artista Bruna Alcantara
Curadoria: Fernanda Lopes
Abertura: 17/08/2024 às 14h
Encerramento: 14/09/2024
Roda de Conversa entre a artista e
curadora 14/09 às 17h
Visitação: 17/08/2024 - 14/09/2024
Quarta a sábado, 12h às 17h
Montagem: Los Montadores
Equipe de produção: Sebastião Jair do Nascimento e Liliane Trindade
Identidade visual janelas: Gouvea Artes
Design: Nina Gaul
@brunaalcantara.00
Agradecimentos: Luana Navarro,
Ivo Reck e Bia Monteiro.
texto curatorial
As Meninas (1656) de Diego Velázquez é considerada uma das obras mais analisadas na história da pintura ocidental. Um dos ícones do Barroco, realizada durante o reinado do rei Filipe IV da Espanha, a pintura apresenta personagens da corte espanhola em uma cena que se apresenta, de acordo com alguns analistas, como uma fotografia – um instantâneo que parece flagrar o momento de preparação para o que de fato deveria ser eternizado em pintura.
Nesse retrato-antirretrato, há a presença do próprio artista, que se representa trabalhando em uma grande pintura e olhando para frente, para fora do plano pictórico, diretamente para o espectador. Atrás dele, quase no centro da imagem, está um espelho que reflete o rei Filipe IV e a rainha Mariana, colocados fora do espaço da pintura em uma posição similar à do observador. Há aqui, uma ruptura na separação entre o mundo dentro da pintura e o outro, fora dela. Velázquez expande o limite da pintura para muito além da própria tela, não só arrastando o espectador para dentro dela (causando certo estranhamento), mas também, chamando atenção para o fato de que a pintura não mostra tudo. É preciso olhar em volta. Até hoje.
As meninas que Bruna Alcantara reúne na Abapirá também têm o espelho como uma espécie de elemento estruturante. A artista paranaense tem na fotografia um material importante para sua produção. Muitas vezes, ela constrói suas próprias imagens, mas em outras tantas, parte de fotografias encontradas em arquivos, seja da própria família ou não, interferindo nelas com costuras e colagens. Com uma obra com ponto de partida autobiográfico, interessa a Bruna imagens de mulheres, seja ela mesma (algumas vezes com seu filho), sejam outras, anônimas ou não, que viveram em outros tempos ou que são suas contemporâneas. Todas têm pelo menos uma coisa em comum: certamente viveram ou vivem questionamentos e intervenções sociais sobre o próprio corpo e a experiência da maternidade.
Em Imagear, sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro, Bruna apresenta a série Reflita-se, na qual desde 2020 é fotografada em diferentes situações e localidades. O conjunto de mais de 20 trabalhos revelam uma ampla gama de paisagens, como penhascos, grandes descampados, trilhas, clareiras e ruas de pedra. Há algo de fantástico ou de onírico nessas imagens. Com a exceção de eventuais detalhes, elas não revelam onde ou quando foram feitas. Ao mesmo tempo, poderiam ser autorretratos, mas, diferente de trabalhos anteriores, apesar do corpo da artista estar presente fisicamente, nós não a vemos.
Sempre sozinha, segurando um espelho que cobre o seu rosto, ela parece se apresentar mais como uma figura mitológica, meio humana, meio espelho. É uma espécie de esfinge que habita essas imagens. Uma guardiã que carrega um enigma em seus espelhos. A maior parte deles aponta para frente, onde nos posicionamos para ver o trabalho, mas diferente do que supõe nossa expectativa, nem nós nem o espaço onde estamos aparece refletido ali. Esses são espelhos que não espelham. Ao contrário, parecem ser feitos para nos mostrar justamente o que não conseguimos ver. Longe do conforto de confirmar o que já sabemos, eles nos fazem estranhar, duvidar e olhar de novo. Nos deixam alerta para perceber o entorno.
Completam a exposição obras que reafirmam o interesse da artista em olhar para fora, para o espaço público. Em uma das janelas da Abapirá, está a impressão em lambe de uma das fotografias da série Reflita-se, que cobre quase inteiramente o vidro. A artista abre uma brecha nessa imagem recortando a silhueta da figura que segura o espelho. Essa ausência é preenchida pela possibilidade de vermos parte do que está dentro do espaço expositivo. Na janela ao lado está pendurado o espelho real, usado na fotografia ao lado. É o único espelho presente na exposição que de fato reflete o que estamos vendo. Apontado para a rua, captura o movimento urbano, além de todas as mudanças que acontecem ao longo do dia e a imagem de quem eventualmente parar na frente dele. Avançando para o espaço urbano, estão também lambes com diferentes imagens da figura que segura o espelho espalhadas pelo centro carioca. Infiltradas no cotidiano da cidade, revelam-se ou permanecem incógnitas, a depender da (des)atenção de quem passa.
Imagear é o título desta exposição e também uma boa definição para a produção de Bruna Alcantara. Trabalhar com imagens é, em certa medida, imaginar – não à toa essas duas palavras se confundem. É lidar com o que não sabemos ou com o que não conhecemos. É revisitar o passado ou, ao mesmo tempo, projetar um futuro. Imagear é também pensar que imagem é construção e, por isso, é verbo. É algo que se dá na ação não só da artista, mas também do espectador. É preciso ir além da ilusão que ronda a imagem técnica desde o desenvolvimento da fotografia (e, como consequência, do vídeo) de que essas são imagens objetivas e imparciais. E isso não se restringe só às imagens. Regras, normas e padrões de comportamento tidos como imparciais e senso comum são na maioria das vezes baseados em subjetividades, preconceitos e interesses individuais ou de determinados grupos, disfarçados e camuflados.
Parafraseando a fotógrafa norte-americana Dorothea Lange (1895-1965), que disse que “A câmera é um instrumento que ensina as pessoas a verem sem a câmera”, em Bruna Alcantara parece que somos levados a perceber que o espelho é um instrumento que ensina as pessoas a verem sem o espelho.
Fernanda Lopes