



Desvairadas e outros cultivos
Exposição individual da artista Natali Tubenchlak
Curadoria: Ana Carla Soler
Abertura: 12/04/2025 às 14h
Encerramento: 05/06/2025
Visitação: 12/04/2025 - 05/06/2025
Quarta a sábado, 12h às 17h
Provocações Poéticas com Livia Aguiar e
convidades 15/05/2025 às 19h
22/05/2025 às 18h30 | Conversa com artista, curadora e o paisagista Domingos Naime
@natalitubenchlak
Créditos
Fotografia: Mario Grilos
Realização: Abapirá e Bia Monteiro
Arte Gráfica: Nina Gaul
Imprensa: Junia Azevedo
Arte Janelas: Gouvêa Artes
Produção: Liliane Trindade e Jair do Nascimento
Montagem: Felipe Bardy
Agradecimentos: Mario Grisolli, Oficina de gravura do Museu do Ingá,
Desvairadas e outros cultivos
Preparar um espaço de terra, nutrir o solo, selecionar as sementes, plantar, cobrir com o volume adequado de terra para cada tipo de semente, regar, germinar, acompanhar as necessidades da muda, monitorar a incidência de luz, velar contra pragas, adubar, esperar o tempo agir para o crescimento e, quando for o momento, colher. É da terra guiar o ciclo de tudo que vive. É do humano cultivar.
Recentemente, em 2017, pesquisadores documentaram áreas de floresta domesticada na Amazônia datadas de mais de 8.000 anos. Publicado na revista Science, cientistas e ecologistas liderados pela brasileira Carolina Levis, na época doutoranda do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) e da Universidade de Wageningen, mapearam regiões na Bacia Amazônica, próximas a sítios arqueológicos, que comprovam a influência de povos originários na distribuição de plantas. Os estudos não apenas indicaram o avançado conhecimento sobre manejo de terra e preservação da floresta, como também identificaram mais de 85 espécies que tiveram influência dos povos pré-colombianos em sua dispersão.
Mais abaixo no mapa brasileiro na Mata Atlântica, em seu sítio no interior do Rio de Janeiro, Natali Tubenchlak não tenta domesticar suas “Desvairadas”, cologravuras de grande formato criadas a partir de matrizes desenvolvidas com folhas que encontra no caminho. O cultivo de Natali é em seu próprio processo. Camadas temporais transformam o vestígio orgânico em um organismo gráfico.
Seleção dos elementos de relevo, produção da matriz, selagem, entintamento, limpeza do excesso de tinta, organização da prensa, pressão, transferência da imagem para o papel, impressão e secagem. Só quem a domina compreende o cultivo de uma gravura. Natali é uma dessas pessoas. Pesquisadora em gravura há mais de 20 anos, vive e trabalha em Niterói, onde imprime no Museu do Ingá.
A cologravura, técnica na qual poucos artistas no Brasil possuem a experiência e longevidade de pesquisa que Natali tem, é um processo gráfico que consiste em colar diferentes materiais sobre uma matriz, resultando em uma superfície de impressão com diversas texturas. Para criação desse tipo de matriz muitos elementos podem ser utilizados, criando relevos cujas marcas são transferidas para o papel. Sua realização em grandes formatos é um desafio, em especial, porque não é comum encontrar prensas grandes o suficiente para suportar impressões de dimensões largas. Assim, para peças de grande formato, a artista entinta e imprime em seções, montando-as em composições imponentes.
É dessa maneira que construiu a série “Desvairadas”, apresentada pela primeira vez na galeria da Abapirá. Imensos corpos se projetam para fora do papel em saltos que parecem avançar sobre o espectador. Há um contraste entre a beleza formal das impressões,
preenchidas pelas veias e sulcos de folhas nativas da mata atlântica, e a voracidade das anatomias. São os membros, mãos em garra e pernas projetadas para a ergonomia do pulo, que enfrentam aqueles que se posicionam diante das imagens. Para este trabalho, a artista recriou fotografias de lutadoras de luta livre, de movimentos de dança teatrais e de poses de ginástica.
A apropriação de contornos de silhuetas acompanha sua poética. Fotos de revistas dos anos 1970 foram inspiração para o díptico “Pêssego e Romã”, apresentados em conjunto com outras obras da artista que mesclam indivíduos e botânica. O corpo delimita o contorno de uma sociedade que já é moldada para encarar as mulheres enquanto objeto passivo. Nessas gravuras em metal, Tubenchlak oferece uma reflexão sobre quanto o erotismo e a pornografia carregam em si uma violência subjacente, violência esta que, por sua vez, se encontra entrelaçada com as dinâmicas de poder que definem as relações sociais e políticas. Em seu gesto, também político, a artista descontextualiza essas figuras femininas e cria para elas outra identidade. O seu universo multifacetado, onde a forma física feminina, suas simbologias, relações com a natureza, são de âmbito político, se entrelaça com a narrativa visual.
O aprofundamento em investigações que hibridizam o humano e a natureza a acompanha desde a década de 1990. Cabeças que geram frutos, pescoços-troncos para vegetação, seres que desafiam a separação entre meio ambiente e corpo. O interesse na relação com as plantas, ela atribui aos 15 anos em que foi casada com um paisagista, pai de seus filhos. Não que antes não houvesse proximidade, Natali desde criança tinha nos jardins de casa florestas pessoais. Ali era refúgio, esconderijo e diversão, lições que carrega de sua avó. Mas os conhecimentos para o cultivo, vieram com a convivência com este parceiro.
Na formação da exposição “Desvairadas e outros cultivos” apresentamos conjuntos de obras que exploram três camadas principais: uma política e feminista, que denuncia como as mulheres são comparadas a animais, plantas e flores e objetos de forma desumanizante; uma que reflete sobre o vínculo subjetivo e espiritual do feminino com os reinos animal e vegetal, superando a violência simbólica; e, em um aspecto mais radical, propõe a perda do controle, o espaço onde a liberdade e a transformação acontecem.
O corpo, com todas as suas nuances, é elevado nas obras de Natali. Ela não só faz, mas faz para ser usado, para se apropriar do seu próprio poder. Ao brincar com estereótipos – mulheres doces, gentis, mas também fortes, poderosas e ousadas – ela nos força a refletir sobre quem realmente somos, sobre a multiplicidade de identidades que coexistem dentro de cada um de nós. Nesta exposição, presenciamos Natali Tubenchlak germinar sua poética na barriga da Terra, a mãe de todas as coisas.
Ana Carla Soler
