top of page
logo-site.png

Dez '19 Jan '20 por Joelington Rios

O Que Sustenta o Rio, 2018

Por Joelington Rios

 

O que sustenta o Rio, pressupõe uma deambulação pela cidade em estado de questionamento, entre deriva e errância para demonstrar os desafios de viver na cidade. Por fotomontagem em preto e branco, Rios sobrepõe e ajusta graficamente a imagem do Redentor à cabeça de pessoas retratadas, quase anônimas, em situações ordinárias, como emblema de pertencimento à cidade do amor e das fricções. Para Joelington Rios, viver o Rio foi a experiência radical de descoberta transformadora de seu olhar sobre o centro, os subúrbios, as favelas, as praias como contrastes, asperezas, embates, exclusão. Para o dito “fotógrafo quilombola” o Rio ideal, a Cidade maravilhosa, colide com a crise estrutural de grandes segmentos da população, o apartheid social gritante, a vida nua, a realidade frictiva da marginalidade social. O Rio de Janeiro tem uma avançada antropologia urbana crítica de sua situação urbanística que espelha a estrutura sócio-econômica que divide a cidade entre morro e asfalto, por ordenamentos de classes sociais, bairros e grupos sociais. A interação se dá pelo trabalho e pela praia, por exemplo. O termo a cidade partida se disseminou em 1994 com o livro de Zuenir Ventura, malgrado tudo a cidade não deixa de ser amada e cantada, para o bem e para o mal, pois seus moradores, como os personagens de Joelington Rios trazem o Rio na cabeça. É o Rio de Rios.

 

- Paulo Herkenhoff. Texto publicado no livro Rio XXI – Vertentes Contemporâneas, 2019.

 

Joelington Rios é quilombola do Quilombo Jamary dos Pretos (Turiaçu – MA). Formado pela Escola de Fotografia Documental & Comunicação Crítica - EFOCO, participou do Oi Kabum! Lab 2019 e é fundador, curador e integrante do coletivo Fotógrafos Negros. Atualmente, mora no Rio de Janeiro.

 

www.joelingtonrios.com

@rivers_______

 

 

 

Realizado pela Abapirá dentro do Projeto Janelas no período de 6/12/2019 a 06/03/2020, com curadoria de Bia Monteiro e Glauco Adorno.

 

A ocupação das nossas janelas é aberta a todos. Quem quiser participar pode mandar seu projeto através do e-mail:abapira@abapira.art

Para mais informações acesse: https://www.abapira.art/projeto-janelas

O Que Sustenta o Rio

Joelington Rios

 

 

Quando lemos os livros de Virginia Woolf temos uma sensação constante de migrar entre mundos metafísicos apresentados como mundos físicos extraídos da memória da personagem principal. Assim é que a senhora Ramsay fica fluindo seu pensamento – em off – entre a ação de costurar uma meia e as conversas hipotéticas que pode ter tido a respeito de assuntos outros em tempos passados, ou na sua reflexão interna sobre os sons que sucedem das diversas camadas de sua casa de praia. Ficamos num entre mundos que pertence a uma única pessoa, e isso revela o quanto somos complexos.

 

Quando olhamos as fotografias de Joelington Rios, hoje expostas nas janelas de um sobrado da Rua do Mercado, ficamos pensando nessas camadas que visualmente ele conquistou, e que, no passado, a literatura de Woolf buscava permanentemente. Se escrever é desenhar com letras, a cada imagem afixada no vidro por Rios temos um impacto linguístico que nos faz pensar que pode ser um avesso: fotografar aqui é um escrever com imagens.

 

Cada fotografia tem dois mundos que pertencem um ao outro: acima, uma imagem do Rio enquanto cidade maravilhosamente divulgada – o Corcovado, o Bondinho, o Pão de Açúcar – e, embaixo, um retrato de algum cidadão silenciado de uma cidade não tão maravilhosa, mas que mantém viva a dinâmica da primeira. O contato de ambas nasce como um oximoro: duas palavras que divergem de si para criar uma vibração que realça o significado da expressão.

 

Joelington é do Maranhão, nasceu e cresceu no Quilombo Jamary dos Pretos, em Turiaçu, veio para o Rio de Janeiro há pouco. Fica claro que ele teve a sensibilidade de notar algo que só nota quem está de fora. Os circundantes à senhora Ramsay não entendem o quanto existe de vibrante a sua volta, somente ela, na sua complexa condição e sensibilidade, vê além daquilo que se apalpa. Joelington tem essa mesma sensibilidade que consegue traduzir a complexidade de relações irrigadas numa cidade que nega a se compreender naquilo que seu contraste faz vibrar: aqui cada vez mais o outro não importa.

 

O que me faz pensar em Kafka e Adorno, ambos autores alemães, que buscavam usar desse contraste nas suas obras, e demonstrar como só dele pode despertar nossa mente alienada na reprodução técnica manipulada pelo sistema de interesses privados; para além da autopreservação. O que Rios faz é sustentar um mundo que está ali para todos verem, mas que somente se revela quando o recebemos num contraste claro, pois que estamos exclusivamente tomados pelo que tateamos assim como os personagens que beiram a senhora Ramsay. Onde cada um sabe de si, Rios joga a alteridade perdida na cara.

 

Podemos enxergar e não só olhar: é isso que a obra do artista importa para nós.

 

O Que Sustenta o Rio consegue em oito fotografias devolver ao Rio a compreensão da sua totalidade sem recorrer a uma explicação dada; o que é raro nesses dias de cachoeiras de mídias em que somos inseridos. A nossa sorte é que o trabalho circulou por toda a periferia da cidade e agora apresenta-se em seu centro, como se catalisasse esse encontro com a conjunto de um Rio de Janeiro que pouco apalpamos cotidianamente. 

Gui Martins Pinheiro

bottom of page