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Resiliência, 2020

por Patricia Gouvêa

 

 

Patricia Gouvêa ocupa as Janelas da Abapirá com uma instalação de vídeo e colagem de vinil sobre tinta para tratar de temporalidade e resiliência, aspectos que aparecem constantemente em sua obra. A artista visual se utiliza de fotografia, vídeo-instalações e performance para discutir questões que permeiam a experiência humana no espaço e no tempo. Resiliência é uma instalação inédita para a ocupação até o início de abril de 2020.

Através de uma imagem recortada e replicada de uma raiz que teima em resistir às ondas para sobreviver em um ambiente desfavorável, e de um mapa preto do Brasil circundado de um campo de cor e textura ocre, ela nos abre a experiência de conexão com essa resiliência brasileira e Latino-americana frente uma opressão que parece nunca acabar.

 

Para o observador, as obras instaladas nas duas janelas – separadas por pilar de pedra erigido num Brasil ainda escravocrata – ganham uma potência estética ainda maior, e devem importar uma potencial reflexão a quem passa pela Rua do Mercado, no centro histórico do Rio.

Esse trabalho ficará em exposição todos os dias úteis entre 13 de março e 13 de outubro de 2020 na Rua do Mercado 45, onde fica a Abapirá – Mercado de Textos e Imagens.

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A Resiliência de Patricia Gouvêa

Na abertura de Terra em Transe, considerada a principal obra de Glauber Rocha, visualizamos o litoral da Bahia (Eldorado) completamente negro e envolto por um oceano prateado e o som de atabaques; trata-se de uma visão de um território a ser explorado, ainda que esteja na penumbra. Seria a resiliência na obra de Patricia Gouvêa a representação do reverso daquilo que Glauber apresentou no passado?

No filme a exploração se desnuda com a hipocrisia de uma elite que sente-se superior e inalcançável, enquanto o que Patricia faz no vídeo instalado em sua ocupação das Janelas da Abapirá é apresentar uma nua realidade que só se faz repetir em ondas que não cansam de entortar o que cresce das raízes. Assim, podemos perceber um pouco da resistência de um povo que está sempre sendo massacrado, seja em Canudos do séc. XIX, seja em Paraisópolis nos dias atuais.

Aquele pedaço de planta teima em crescer dentro de um ambiente que lhe é contrário: essa adversidade requer a resiliência que a obra importa ao observador.

No entanto, o som estridente dos tambores de candomblé de Terra em Transe desaparece na imagem da obra de Patricia, pois parece que os recursos visuais neste tempo não requerem o áudio como fonte crucial de expressão... Reina quase um silêncio ensurdecedor; apenas o distraído som das ondas conduz na sua leveza à gigantesca repressão que caminha soturna por sobre o povo brasileiro. A dominação vem quieta e sorrateira.

Ao lado dessa janela onde está o vídeo, vemos uma segunda, pintada de um amarelo ocre onde encontra-se chapado um mapa negro e fosco do Brasil, com o significado de resiliência escrito logo abaixo. Poderíamos, num primeiro olhar, considerar uma obra dada e digerida, mas não é. Conforme a posição do mapa à meia altura e  do reflexo da janela, é preciso tempo para se debruçar para o texto e, no respiro do retorno dessa leitura observar o arame farpado que vem da rua que se atravessa no espelhado do vidro.

Uma soma inesperada se dá dentro do sobrado (que não é fundamentalmente parte da ocupação das Janelas da Abapirá) onde está uma foto de tamanho considerável tirada pela artista na Mina de Serra Azul, na região de Brumadinho, que continuava a funcionar mesmo após o desastre de 2019: a imagem nos mostra um monte de lama por onde nasce uma pequena planta à frente de uma montanha de minério. Na parte oposta, com o negativo da janela, a tinta ocre tem mais textura e o mapa do Brasil – invertido – ganha uma força subliminar que parece até escatológica. Estamos diante de uma repressão que não somente limita, mas inverte e apaga.

Disso tudo, o que resta é a possível experiência estética que emancipe nós, observadores, para que tenhamos uma capacidade político-social que não teríamos sem ela e para, enfim, entender a nossa nua realidade que Patricia revela tão sutilmente.

 

Gui Martins Pinheiro, Março/2020

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Patricia Gouvêa é carioca e atuante no Rio de Janeiro. Artista visual, trabalha com fotografia, vídeo, instalação e intervenção urbana. Seu trabalho prioriza a fotografia e a imagem em movimento e suas possíveis interfaces, onde a noção de tempo constitui um dos principais eixos de pesquisa. Graduada em Comunicação Social (ECO/UFRJ), Especialista em Fotografia e Ciências Sociais (UCAM/RJ) e Mestre em Comunicação e Cultura na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Imagem (ECO/UFRJ).

 

https://www.patriciagouvea.com

@patgouvea

 

 

Realizado pela Abapirá dentro do Projeto Janelas no período de 13/03/2019 a 13/10/2020, com curadoria de Bia Monteiro, Guilherme Pinheiro e Glauco Adorno.

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