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The Hater e a Subjetividade Constituída

The Hater e a Subjetividade Constituída


Subjetividade ao cubo é o que entrega o filme The Hater, streaming no Netflix; é o grande filme da pandemia so far. Se ano passado tivemos a poesia de Parasita jogando tudo no ventilador da elite, nesse trágico ano de 2020 temos o punk rock de The Hater como a apoteose de um mundo que se consome pela idealização da imagem simulada: a tal subjetividade constituída.

Não à toa, o filme começa no plágio institucional do indivíduo que recebe uma possibilidade burguesa de seus patronos, uma dádiva digna de Modesto Brocos ou da Libertação dos Escravos. Ele joga no ralo um presente ao qual deveria se ajoelhar, mas disfarça, pois quer mesmo é devorar a princesa. Os burgueses de esquerda que se cuidem: eles serão manipulados como esperam manipular a inocente massa. A borboleta virará lagarta para desespero dos esperançosos. O ponto crucial aqui é que o personagem sequer entende o que fez como condicionante de sua personalidade, ele diz categoricamente que não deve ser percebido pelos seus atos: verba volant, scripta manent (palavras voam, os escritos ficam), diz seu professor.

Dominação é uma maneira de anular algo enquanto nos envolvemos; nos tornamos necessariamente envolvidos e, ao destruir esse algo, acabamos destruindo a nós mesmos no processo. Tomasz é destruído para se tornar a coisa, e esse filme, enquanto arte, é o objeto capaz de se quebrar para compreendermos, à distância, que estamos nos autodestruindo no processo.

O rapaz de olhar quase infantil e mente diabólica entende do jogo mais do que a banca, e aprende rapidamente que escrúpulos também são simulação, seja da esquerda que se seduz pelo surpreendente sucesso dele, seja de uma direita animada com seus censuráveis resultados. O jogo é duplo? Então eu jogo triplo! Um para cada lado: esquerda, direita, e ele em cima. O resultado vai ser orquestrado para que ele mesmo ganhe a mão nesse baralho de cartas marcadas (ele mesmo embaralhou). A violência, embora escarnada, ali é um detalhe: o que nos assusta são as regras reveladas desse jogo tão real e permanente. Apertem os cintos! O futuro está aí! E a subjetividade constituída em seu grau máximo também...

Se na Renascença essa noção veio para promover a importância de nós mesmos através da criação de uma perspectiva centrada em quem olha – eu sou o centro do meu mundo, a subjetividade constituída nesse filme joga algo de essência da nossa existência que queremos fingir que não habitamos. No entanto, é exatamente esse mundo estranho e reflexo de nós que moldamos como nossa morada. Um mundo onde tudo pode ser manipulado segundo uma perspectiva que dê importância a nós mesmos, tal qual na Renascença, mas com alcance e ferramentas de uma pulverização incalculáveis.

Gui Martins Pinheiro, 4 de agosto de 2020.

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