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Bia Monteiro

Exposição: DEBAIXO DA TERRA, UM SEGREDO CANTA

Exposição: DEBAIXO DA TERRA, UM SEGREDO CANTA

 

Bia Monteiro

 

Curadoria e texto: Claudio Oliveira

 

Abertura: 06 de setembro de 2025 

Encerramento: 06 de novembro de 2025

Visitação: quarta-feira a sábado das 12h às 17h

 

 

Programação

06/09/2025  12-17h  | Abertura 

09/09/2025  16:00h  Conversa Cláudio Oliveira e Bia Monteiro + visita guiada 

17/09/2025   18:30h Provocações Poéticas com Livia Aguiar e convidades

01/11/2025  16:30h Conversa aberta Martina  Davidson e Bia Monteiro 

 

Créditos

Realização:  Abapirá

Arte Gráfica: Nina Gaul

Imagem Capa: Bia Monteiro

Arte Janelas: Gouvêa Artes

Produção: Liliane Trindade e Jair do Nascimento

Montagem: Felipe Bardy

Gráfica: Gráfica e Editora Cruzado

Instagram: Matheus Martins

Imprensa: Junia Azevedo

 

Agradecimentos: Alice Fel, Baltazar Pinheiro, Gui Martins, Laion, Guia João, Rodrigo Marçal

 

Apoio: Reviver Centro

Bia Monteiro

DEBAIXO DA TERRA, UM SEGREDO CANTA

Em abril de 2024, Bia Monteiro viaja para a Indonésia, onde realiza uma travessia de onze dias por dois arquipélagos: as ilhas Raja Ampat e as ilhas Molucas, também conhecidas como Spice Islands. Nesses arquipélagos, Bia mergulha durante nove dias e inicia um série de desenhos inspirados no que vê no fundo do mar. Chamam a sua atenção pequenos corais encontrados nas praias cujas formas parecem ao mesmo tempo abstratas e orgânicas. A ideia de animismo, muito forte na Indonésia, também impacta a artista, assim como a ideia de seres despercebidos, que existem, mas praticamente ninguém vê, como os que ela encontra no fundo do mar. Ela volta para o Brasil marcada por essas experiências.

 

Poucos meses após a viagem para a Indonésia, em agosto de 2024, Bia vai para o Vale do Catimbau, um Parque Nacional criado em 2002, entre o agreste e o sertão pernambucano. Nas imediações do Parque, visita o Sítio Arqueológico da Alcobaça – considerado o segundo maior sítio rupestre do Brasil –, onde se encontram grafismos abstratos de alta complexidade, além de pinturas, datadas de pelo menos 6.000 anos, em que se podem identificar plantas, animais e humanos. Numa área do Vale do Catimbau chamada Santuário, ela realiza a vídeo-performance Voo da Maria do Nordeste. É também no Vale do Catimbau que ela começa a fazer os primeiros desenhos que darão origem à série Moléculas Celestes e ao conjunto de objetos Travessia Tempo. 

 

A atração pela paisagem da Caatinga a faz viajar uma segunda vez para o Nordeste brasileiro em fevereiro deste ano de 2025, dessa vez para o Cariri Paraibano, uma região do estado da Paraíba, localizada no semiárido do estado e caracterizada por um clima seco e paisagens típicas do sertão. 

 

Debaixo da terra, um segredo canta nasce dessas três viagens, como aquilo que a artista recolhe do encontro entre o seu corpo e essas paisagens naturais, que, vistas desde a perspectiva do animismo, nunca são apenas naturais, mas também, de algum modo, sobrenaturais. 

 

O animismo que Bia encontra na Indonésia, no início dessa jornada, está presente em muitos povos, antigos e contemporâneos, dentre os quais os povos amazônicos. Eduardo Viveiros de Castro, o importante antropólogo brasileiro, define a concepção animista indígena amazônica como aquela “segundo a qual o modo como os seres humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo – deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, plantas, fenômenos meteorológicos, acidentes geográficos, objetos e artefatos – é profundamente diferente do modo como esses seres veem os humanos e se veem a si mesmos” (A inconstância da alma selvagem). Isso faz com que, para esses povos, a distinção entre seres humanos e seres não-humanos não seja muito nítida e o que nós, ocidentais – ou ocidentalizados –, chamamos de natural, para eles é também sobrenatural. 

 

É esse caráter sobrenatural das paisagens visitadas que o olhar da artista recolhe, devolvendo-o, nesta exposição, em três tipos de produções artísticas: uma vídeo-performance, uma série de desenhos e um conjunto de objetos.

 

Voo da Maria do Nordeste parte de um movimento circular virtualmente infinito que a artista faz com o próprio corpo, na paisagem do sertão, em torno de um centro imaginário. As ideias de repetição e de tempo circular dominam o trabalho, mas à medida que a câmera do drone sobe, uma outra dimensão do trabalho aparece. O corpo feminino que se move em círculos vai se transformando, numa verdadeira metamorfose, em um pássaro que voa. Aqui muitos aspectos do trabalho merecem comentário.

 

A paisagem do sertão nordestino é tema, pelo menos desde o início do século XX, da grande literatura brasileira, de Euclides da Cunha a João Cabral de Melo Neto, passando por Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz. Na década de 1960, o Cinema Novo retoma essa tradição e torna a paisagem da Caatinga nordestina o centro de sua produção audiovisual. Podemos reconhecer a mesma fotografia em preto e branco com a luz estourada desses filmes na vídeo-performance de Bia Monteiro, o que conecta o trabalho, de algum modo, com essa tradição literário-cinematográfica. No entanto, algo diferente se anuncia aqui que conecta o trabalho com questões mais contemporâneas. O gesto da artista de andar em círculo sugere um movimento infinito que, por sua vez, acaba ganhando a dimensão de um transformação. A mulher que anda em círculos com os braços estendidos vai pouco a pouco ganhando asas e se torna um pássaro: a Maria-do-nordeste, uma ave endêmica do Brasil, típica da região nordestina, que corre atualmente risco de extinção.

 

Dentro da tradição artística brasileira que tem o sertão nordestino como paisagem central, o sertão de Bia Monteiro é mais parecido com o de Guimarães Rosa, não fosse o símbolo do infinito o que marca o início e o fim daquele que talvez seja o nosso mais importante romance: Grande sertão: veredas. Ao longo do processo de produção das obras, Bia foi marcando algumas frases do romance, dentre as quais aquela que diz: “O sertão está em toda parte. O sertão é dentro da gente.” Uma frase que desnaturaliza e deslocaliza o sertão e que fala de uma indistinção entre interno e externo, entre corpo e paisagem.  

 

Mas eu faria um paralelo do trabalho de Bia ainda com outra obra de Guimarães Rosa, o conto Meu tio o Iauaretê. Seu personagem principal e narrador é um onceiro cuja mãe, chamada Mar‘Iara Maria, era uma indígena tupi, da tribo dos Tacunapéua. No conto, diante de um visitante com quem conversa, o narrador vai se transformando pouco a pouco em uma onça, do mesmo modo como na vídeo-performance de Bia, uma mulher vai pouco a pouco se transformando em pássaro. 

 

A série de desenhos Moléculas celestes, feitos com giz pastel sobre papel de fibra de bananeira e de mandioca, traz certamente referências tanto à paisagem do sertão, quanto às formas que Bia encontrou na Indonésia, seja no fundo do mar, seja nas areias das praias, mas elas não pertencem, propriamente falando, a nenhum lugar específico. Talvez por isso, elas sejam mais do céu que da terra. Em sua composição, Bia leva em consideração tanto as pinturas rupestres do Catimbau, quanto símbolos africanos como os adinkra, ou até mesmo as formas de seres microscópicos que escapam ao alcance do olhar humano, descritos por Dorion Sagan no Livro de Seres Invisíveis. Trata-se aqui de desenhar para tornar visível o que não pode ser visto a não ser através da arte.

 

Essa relação com o invisível também está presente em Travessia Tempo, um conjunto de objetos feitos com peças de madeira, pedras e cerâmicas, que tem sua origem nas idas constantes que a artista faz à zona rural de Queluz-SP, onde possui casa e ateliê. Travessia Tempo não pode ser compreendido fora da perspectiva animista que caracteriza os outros trabalhos da exposição. Os objetos podem ser descritos como assemblages: peças de madeira, encontradas em antigas construções em ruínas, que funcionam como pedestais em que Bia coloca pedras de tamanhos diversos – encontradas no Rio das Cruzes, que corta a Fazenda Santa Vitória, em Queluz – ou peças de cerâmica esculpidas por ela. A colocação das pedras e das cerâmicas sobre os troncos de madeira é feita de modo que se crie uma tensão: a iminência da possível queda desses objetos. As pedras e as cerâmicas parecem, de fato, estar a ponto de cair, como se estivessem mal apoiadas sobre a madeira. Mas é precisamente esse “erro” aparente que traz para o trabalho a sua estranheza e permite ao observador dar-se conta de que há um campo de forças atuante que joga não só com a gravidade, mas também com o peso e a forma dos objetos, impedindo-os de cair. Ao dispô-los assim, Bia torna esse campo de forças sensível, modificando nossa relação com o espaço em que eles se encontram. Os objetos, por sua vez, ganham “alma”, tornando-se, de algum modo, sobrenaturais. Travessia Tempo nos mostra que o visível é apenas um meio através do qual a artista nos faz ver o invisível. É esse segredo que canta embaixo da terra.

 

Cláudio Oliveira

Curador

ABAPIRÁ

 

Rua do Mercado, 45 – Centro Histórico, Rio de Janeiro – RJ

Horário de funcionamento: Quarta a sábado, das 12h às 17h

 

Agendamento para grupos e visitas mediadas:

Por e-mail ou telefone, com agendamento prévio.

Telefone: (21) 99825 4129

abapira@abapira.art

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